ARTIGO

Para quem curte travestis e crossdressers, é fácil perceber como é movimentada a vida dessas “gatas diferentes” na noite e na internet – mas se você pensa que todo esse burburinho é recente, está muito enganado!

por W.R., a repórter CD

Podemos dizer que um dos primeiros registros históricos de crossdressing data da época do rei Luís 15, em meados do século 18.

Trata-se do Cavaleiro d’Eon, nascido em 5 de outubro de 1720 na cidade de Tenerra, França, e que, desde pequeno, era vestido com as roupas da irmã.

Na idade adulta, d’Eon esteve nos altos círculos da sociedade e ensejou um famoso escândalo sexual, sobre o qual falaremos oportunamente. Tão marcantes foram seus feitos que não ficaram restritos à França – cruzaram o Canal da Mancha e chegaram à Inglaterra, que tomou parte no rebuliço.

Intolerância
No entanto, a despeito de d’Eon, a Inglaterra se tornou historicamente famosa pela repressão e até estrangulamento de pessoas com comportamentos sexuais então considerados “desviantes” – especialmente, durante a Era Vitoriana (1837-1901), período do longo reinado da rainha Vitória. Oscar Wilde, autor de O retrato de Dorian Gray e homossexual, foi um dos que sentiram na pele o isolamento e o abandono.

No entanto, como tudo que é proibido é mais gostoso, a Inglaterra também foi prodigiosa em criar ou fomentar uma série de “práticas subversivas” que existem até hoje – como o BDSM*, por exemplo.

Desde o século 18, também havia lugares onde os lordes podiam relaxar e saciar desejos e fetiches: as Molly** houses.

Lá, eles se vestiam de mulher, transformando-se, e aceitavam a corte de seus cúmplices admiradores – tudo devidamente coroado pelo sexo. Findos os encontros, a “vida normal” e as respeitáveis famílias os aguardavam.

Em 9 de março de 1726, as Sociedades para a Reforma das Condutas organizaram diversas batidas nesses lugares. Foram enforcados por sodomia Gabriel Lawrence, William Griffin e Thomas Wright, em Tyburn.

No entanto, as autoridades também não se furtavam a tirar uma casquinha. Em 1727, o Chefe de Justiça local, Charles Hitchen, foi sentenciado por atentado ao pudor e sodomia numa Molly house.

Meninas superpoderosas
A Molly house mais famosa era de propriedade de Margaret Clap e ficava em Holborn, na Field Lane. Numa das batidas, foram encontradas 50 pessoas, entre homens e crossdressers, transando em um único recinto! Que farra a das garotas, não?

Nos tempos da Sra. Clap, mais de 20 Molly houses ficaram conhecidas na velha Londres. Seus proprietários, conhecidos como “Mollies”, também assumiam sua porção crossdresser, com direito, inclusive, a um gestual feminino. As casas, por sua vez, eram geralmente localizadas longe do centro da cidade, ao norte do Rio Tâmisa. Iam desde muquifos pulguentos de becos até opulentas propriedades nos subúrbios do oeste.

Foram as Molly houses as precursoras de casas como a Xuxu Bar, que hoje viroupoint de crossdressers paulistanas e mesmo de outras cidades. Vale, portanto, reverenciar as outras “rainhas” da terra da Rainha.

* Bondage, disciplina, dominação, submissão e sadomasoquismo.
** O termo “Molly” originalmente se referia a uma mulher prostituta.