MATÉRIA
por Marcos Piovesan
Nascida Alexandre Caldas de Miranda em 04 de novembro de 1972, Maite Schneider é, sem dúvida, a trans mais conhecida de Curitiba.
Militante de Direitos Humanos, vice-presidente do Instituto Paranaense 28 de junho (Inpar), escritora, poetisa, palestrante e atriz, sua história ganhou projeção nacional ao tentar extirpar os testículos.
Agora, Maite revela a Transites tudo que aconteceu e dá detalhes sobre como é difícil ser transexual no Brasil.
Transites: Vamos falar de seu processo cirúrgico. Verdade que você chegou a comprar o material cirúrgico para retirar os testículos em casa?
Maite Schneider: Não só comprei, como iniciei o procedimento sozinha. Estudei por seis meses na internet e achei que estava credenciada...Não deu certo. Houve hemorragia, desmaiei e fui acordar num pronto-socorro em minha cidade. Quase fui internada como louca. Falei que não ia mais tentar, mas não tirei a idéia da cabeça.
Transites: Tentou mais alguma coisa, então?
Maite Schneider: Uma grande amiga que mora em Foz do Iguaçu sugeriu me levar a uma clínica clandestina no Paraguai. Comprei passagem e fui levando o laudo de transexualismo. O procedimento todo foi feito somente com anestesia local. Dizia o “médico” que, se desse algum problema, eu continuasse a dizer que fiz tudo sozinha. Uma cirurgia que era para ser feita em, no máximo, duas horas demorou mais de oito, devido a dois desmaios que tive.
Transites: Não foi a única complicação...
Maite Schneider: Não. Cinco dias depois, quando chegou a hora de tirar o dreno, começou um processo de infecção generalizada. Bolas pelo corpo todo e a tal bolsa escrotal gigante. Não conseguia fechar as pernas e tinha que quase ser carregada. Fiz uma nova cirurgia em Curitiba, onde foram verificadas as “atrocidades” cometidas pelo “médico” paraguaio. Depois disso tudo, a bolsa escrotal começou a quase sumir, e eu precisava da bolsa para ter sucesso na cirurgia final de redesignação sexual.
Transites: Você conseguiu, afinal, fazer a troca de sexo?
Maite Schneider: Comecei uma campanha “Formigueiro” na internet. Amigos e amigas do site Casa da Maite (http://www.casadamaite.com) doavam o que podiam para atingir a meta, que, na época, era de R$ 10 mil. Fiquei um ano para juntar a soma e finalmente consegui realizar a parte final do meu encontro comigo mesma.
Transites: E como tem sido o processo de adequação ao novo corpo?
Maite Schneider: Milagroso e muito mágico. Antes da cirurgia, eu fugia dos espelhos. Agora, posso finalmente me ver, tocar e me sentir como a mulher que sempre fui. Não há alegria maior.
Transites: Como é o procedimento para quem precisa e quer realizar esse tipo de cirurgia?
Maite Schneider: Há dois caminhos. O primeiro: se a pessoa tem condições financeiras, deve escolher o local mais seguro para realizar a cirurgia. Feito isso, entrar em contato com a equipe multidisciplinar daquele núcleo e saber o trâmite para se fazer o processo e custos. A maioria dos núcleos exige que a pessoa passe um tempo em análise até obter o laudo da equipe.
O segundo: se a pessoa não tem condições financeiras, deve procurar o SUS (Sistema Único de Saúde) de sua cidade, pedir encaminhamento para consultas e terapia, até obter o laudo. Paralelo a isso, deve ir tentando a cirurgia pela Justiça e Ministério Público, mostrando ser uma questão grave de saúde.
Transites: No dia 14 de agosto de 2007, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, decidiu que o SUS era obrigado a pagar cirurgias de mudança de sexo, mas a União recorreu, e o Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a decisão. Como anda o processo?
Maite Schneide: O SUS é um dos poucos órgãos que tem o entendimento da real necessidade de atender pessoas trans. Por outro lado, tem uma verba estipulada que é dividida entre suas metas de tratamento. É difícil destinar parte dessa verba para o transexualismo, pois as pessoas, por ignorância, acham que é uma cirurgia cosmética.
Transites: A ministra Ellen Gracie acatou o argumento da impossibilidade de destinar recursos orçamentários a demandas que consideram individualizadas e de que as operações gratuitas trariam prejuízo aos cofres públicos.
Maite Schneider: Todos os problemas no Brasil passam pelo financeiro, não tenho dúvidas. É para isso que temos políticos, para que pensem políticas efetivas de sanarem esses problemas.
Todo e qualquer cidadão tem direito à saúde. É um direito constitucional. O acesso da pessoa com disforia de gênero ao tratamento completo, inclusive com cirurgia, é uma questão de saúde. Precisamos deixar de achar que estão nos fazendo um favor. É uma obrigação estatal e um direito nosso.
Transites: Seu procedimento caseiro quase custou sua vida. O que gostaria de compartilhar com as pessoas?
Maite Schneider: Que não façam o que fiz. Quase morri e tenho várias amigas que morreram. Por mais difíceis que sejam os caminhos, eles existem – e também existem pessoas tentando melhorar esses caminhos e construir novos. Terapia é muito importante: busque e tente achar seu equilíbrio antes de cometer certas atitudes, que podem ser fatais – e tente ser o mais feliz hoje, da maneira que pode.
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